Sued Carvalho, professora.
De 2010 para cá ressurgiu o debate acerca das Escolas Militares no Brasil. Os adolescentes seriam muito indisciplinados, sendo essa a explicação para o baixo desempenho dos estudantes nas escolas estaduais regulares. Essa resposta vulgar, simplificadora do complexo estado de coisas dos sistemas educacionais brasileiros, levou a um anseio por uma moralização maior da escola e quem seria melhor para dar “porrada” nos jovens do que os militares?
As Escolas Militares baseiam-se em preceitos autoritários e antidemocráticos, pois embasam a ordem em uma hierarquização extrema, que leva adolescentes em idade escolar a, entre outras coisas, prestar continência para superiores. É uma educação para a conformidade, uma educação para obedecer sem questionar.
A igualdade, por sua vez, é construída pelo silenciamento da diversidade nessas instituições. Não é uma igualdade de fato, pois há uma hierarquia rígida, tipicamente militar, é uma igualdade formal, estética, todos usam o mesmo penteado, a mesma farda, marcham da mesma forma, estão sob os mesmos superiores. Não há espaço para a diferença, para o diverso, para pessoas negras assumindo seus cabelos naturais, para pessoas trans manifestando sua identidade de gênero.
Outra questão relativa às escolas militares é o ensino. O Brasil é marcado por profundas feridas não cicatrizadas pela Ditadura Militar de 1964, o exército não reconhece muitos dos crimes que cometeu e o Governo Federal pós-1988 procurou evitar melindrar os militares propondo reformas em sua estrutura e formação. O Exército de 2021 é o exército de 1964 em sentido ideológico, uma instituição corporativista, autoritária, anticomunista e elitista.
As escolas militares, como não poderia deixar de ser, reproduzem a visão de mundo dos militares, o golpe de 1964 teria sido uma revolução para salvar o país, a Ditadura não foi tão ruim quanto se diz e haviam criminosos dos dois lados, entre outras coisas. Pode-se afirmar que esses estabelecimentos foram importantes ilhas de poder militar no pré-golpe de 2016.
Porém, toda essa rigidez, militarismo e disciplina moralista funcionam? As escolas militares mostram resultado? Segundo dados coletados pelo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) de 2017, a resposta é não, apenas uma Escola militar de Belo Horizonte apareceu em 7º lugar, enquanto a maior parte das posições nas dez melhores (Sete) ficaram com os Institutos Federais. Até mesmo as Escolas Estaduais regulares destacaram-se mais na lista do que as militares, pois duas posições ficaram com instituições do tipo.
Ainda segundo o ENEM de 2017 os Institutos Federais obtém a melhor média geral, de 557, além de mais baratos, pois nos IF’s investe-se R$ 16 mil anualmente por aluno, enquanto nas EM’s investe-se, em média, R$ 19 mil. Portanto não há justificativa estatística, baseada em parâmetros de qualidade e resultado, que justifiquem o investimento cada vez maior em escolas militares, sejam elas ligadas às Forças Armadas, ao Exército, Polícia Militar ou Bombeiros.
O programa de Escola Cívico-Militar foi um dos carros chefes do programa de governo para a educação de Jair Messias Bolsonaro. Por que o governo Bolsonaro tiraria o foco de um programa referência como o dos Institutos Federais? Devido a burrice do presidente? Não, a questão é que as Escolas Militares são um projeto estritamente ideológico.
Mais do que formar mais alunos no ENEM, mais do que melhores notas em provas externas de avaliação, as escolas militares representam um projeto autoritário de sociedade, que pretende formar uma sociedade rigidamente hierarquizada, onde aqueles que reivindicam são “subversivos” da ordem. Representam também uma legitimação cada vez mais ampla de uma interpretação ufanista da História do Brasil, que esconde o racismo, a desigualdade e coloca o Exército como grande bastião da moral e da honra.
Em suma, as Escolas Militares representam: 1) O corporativismo militar, necessidades pragmáticas das próprias corporações, em níveis federais e estaduais; 2) Um projeto de sociedade artificialmente harmoniosa, em que a discordância, a disputa e o questionamento sejam mal vistos e desencorajados; 3) Legitimar os militares como propositores políticos, recoloca-los no papel de força a ser ouvida politicamente em todos os assuntos governamentais.
É uma falácia que as Escolas Militares melhorem a qualidade da educação, pois os problemas relacionados a qualidade da escola não são apenas de disciplina, pelo contrário, a questão disciplinar é um sintoma, não o problema gerador. Além de não haver qualquer razão, que não a ideológica, que justifique sua existência, essas instituições em nada colaboram com o problema que afirmam ajudar a resolver.
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