Por Roberto Lúcio Pereira, com a colaboração de Darlan Reis Jr
A questão da relação entre o racismo estrutural e o capitalismo é debatida por historiadores, geógrafos, sociólogos e filósofos. Quais seriam as origens do racismo na Idade Contemporânea? E quais seriam as implicações com as formas de exploração do passado?
No século XIX, o sociólogo Herbert Spencer, ao utilizar de forma equivocada as ideias do biólogo Charles Darwin e de seu livro A evolução das espécies, escrito em 1859, Spencer criou a ideologia de que no mundo da natureza sobreviveria a espécie mais forte, e que isso também ocorreria nas sociedades humanas. Ou seja, Spencer justificava assim, a pobreza, a miséria e a dominação de alguns povos sobre outros.

Somada a essa teoria conhecida por Darwinismo Social, a questão da discriminação racial também era justificada por certas correntes religiosas, com a alegação de que, após o dilúvio que teria sido vivenciado por Noé e por sua família, e as relações conflituosas com um de seus filhos, Cam. Noé ao ter sido ridicularizado por seu filho, por ter exagerado no vinho, teria amaldiçoado Cam, que teria sido expulso, indo morar em local inóspito, com pessoas de pele escura. Ou seja, uma justificativa daquelas que povoam o senso comum de alguns lugares e servem para manter o domínio político, econômico e social sobre a população a ser discriminada.

E não ocorreram apenas no mundo da cristandade, os episódios de discriminação a partir de características fenotípicas, combinada com a discriminação religiosa. Israel mantém no topo da pirâmide social, os judeus askhenazi, loiros de olhos azuis. Os judeus sefaradi, que geralmente possuem a pele mais escura ocupam o segundo escalão social. Ao mesmo tempo, os palestinos sofrem com a política discriminatória do Estado de Israel.
No caso da escravidão e do escravismo, podemos nos remeter à Grécia antiga e à Roma antiga, onde no desenvolvimento do processo histórico, passaram da escravidão patriarcal, de seu próprio povo, para a escravidão clássica, o escravismo antigo, onde escravizavam os povos considerados inferiores, chamados de "bárbaros". O critério não era a cor da pele, mas sim a suposta condição de inferioridade. Spartacus o gladiador da Trácia (atual Romênia),que liderou cerca de 60 mil escravos e quase derrotou Roma entre 73 a 70A.C., era de cor da pele branca, porém, um "bárbaro".
Ao longo do processo histórico e geopolítico, principalmente com o surgimento do Capitalismo, foram criadas várias teorias , sendo sua grande maioria eurocêntrica, tendo como principal objetivo sustentar a ideia da superioridade do branco europeu, caucasóide, sobre as outras "raças". Com as grandes navegações do século XVI e a hegemonia inicial portuguesa, o continente africano começou a ser explorado via Atlântico. A dominação portuguesa, europeia, criou um novo mecanismo, ampliado, da escravidão, o escravismo mercantil. Com a produção açucareira na América Portuguesa, iniciou-se o tráfico de escravos negros oriundos da África. Portugal possuía o domínio geopolitico do Atlântico Sul, o que facilitou e muito o tráfico negreiro, com conexão África - Brasil.
Foi estabelecida a "pedagogia do terror", com o extermínio dos povos originais da América, somada à escravização de milhões de africanos. O Brasil recebeu aproximadamente, quatro milhões e oitocentos mil escravos, ou seja, o local com o maior número de escravizados da história. Não é possível entendermos as origens do racismo estrutural sem conhecermos essa trágica história da escravidão na América Portuguesa e posteriormente, no Império do Brasil.
Voltemos ao século XIX, ao capitalismo imperialista e ao continente africano. Com o avanço da ciência em seus vários matizes, inclusive a geologia, se descobriu que a África era a maior província mineralógica do mundo, com uma variedade de recursos minerais e combustíveis fósseis quase infinitos. O imperialismo mostrava suas garras. Utilizando-se de pseudoteorias ligadas à Sociologia, História e Geopolítica, o darwinismo social justificava a agressão aos povos africanos e asiáticos.
Em 1884-85, tivemos a Conferência de Berlim e a partilha da África entre as grandes potências europeias, enquanto Spencer afirmava que um país para ser desenvolvido, deveria ter a população majoritariamente branca. No Brasil a transição do trabalho escravo para o trabalho do imigrante assalariado, ganhava força. Estima-se que entre 1880- 1902, chegaram ao Brasil cerca de 2 milhões de imigrantes, destaque para alemães e italianos. A clase dominante brasileira que vivia no Centro-sul do país, sonhava com o "embranquecimento" dos brasileiros, ao mesmo tempo em que se ocupava em discriminar as populações negras, indígenas, mestiços, culpando-os pelo atraso econômico do pais, quando na verdade, o subdesenvolvimento era originado pelo modelo econômico que essa mesma classe produzira.
O fim da escravidão no Brasil, em 1888, considerando que entre a população negra e mestiça, o número de escravizados girava em torno de 5%, sendo que os libertos e nascidos livres já viviam na condição de exclusão social profunda, temos ainda assim, cerca de 1 milhão e 500 mil ex-escravizados, que após a luta pela liberdade, continuaram excluídos do sistema econômico que surgia no Brasil. É nesse momento que as "teorias" racistas ganham força entre a classe dominante brasileira e passam a ser difundidas de forma maciça. À exclusão social, à exploração do trabalho, soma-se o racismo estrutural, herdeiro do antigo regime escravista, porém agora, vinculado ao Capitalismo periférico e "justificado" pela suposta superioridade dos "brancos" brasileiros.
A discriminação continuava, mas agora de outra forma, justificada por critérios "raciais" do século XIX, com a pseudociência spenceriana. Ao mesmo tempo, as formas de luta dos povos discriminados, a resistência, as formas de solidariedade da população negra, dos povos originários, da população mestiça também sempre discriminada (cabras, caboclos, mulatos, caiçaras dentre outros), se fez presente. Onde houve escravidão, houve resistência. Enquanto existir racismo, haverá luta contra ele.
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