Por Darlan Reis Jr., historiador.
Capa do disco "Ideologia", de Cazuza, 1988.
Nos tempos atuais, de governança fascista, representada pelo bolsonarismo, é comum ouvirmos a sentença de que alguma escola, professores, partidos, estão "impregnados de ideologia". Assim também age a mídia neoliberal, toda vez que vai defender os interesses dos capitalistas em geral, e do sistema financeiro em especial. Tudo que vai contra o pensamento deles seria "ideologia" e tudo o que eles defendem seria a "verdade".
No caso dos fascistas, a "verdade" seria o conjunto de valores que eles defendem: a propriedade privada, o predomínio da ditadura do Capital sobre os trabalhadores, a xenofobia, o racismo, a supremacia de valores fundamentalistas e machistas travestidos em slogans como "Deus, família e a propriedade". Tudo o que não corresponder a esse conjunto de ideias, seria "ideologia".
No caso da mídia neoliberal, que detém o monopólio da comunicação no Brasil, a "verdade" também seria o conjunto de valores que eles defendem: a propriedade privada, a ditadura do Capital sobre os trabalhadores, as privatizações do patrimônio público, as formas liberais da democracia burguesa como se fossem universais, o discurso de que a ciência e a técnica seriam "neutras politicamente". Tudo o que não corresponder a esse conjunto de ideias, seria "ideologia".
Ou seja, tanto para os fascistas, quanto para os neoliberais, suas ideologias são apresentadas como "não ideologias", como verdades naturais (ou divinas), enquanto o pensamento divergente é considerado ideológico. Deliberadamente transformam a noção de ideologia em algo negativo, mas sempre a ideologia contrária ao que pretendem, ao que defendem. Mas a ideologia não é nada disso.
Como afirmou o filósofo István Mészáros, a ideologia não é ilusão, nem é a superstição de indíviduos mal-orientados, mas sim uma forma específica de consciência social, materialmente ancorada e sustentada (1). A ideologia é constituída objetivamente. O discurso dominante sobre a ideologia é totalmente negativo. O apelo à "autoridade da ciência" desvinculada das formas ideológicas, por exemplo, serve para manter o status quo na sociedade.
Na verdade, as descobertas científicas e o desenvolvimento tecnológico estão profundamente inseridos nas estruturas e determinações sociais de sua época. A ciência também legitima interesses ideológicos. Os representantes da ideologia dominante no Brasil, exaltam seu "pluralismo", mas como demonstra Mészáros, trata-se de um falso pluralismo, que na hora das crises se revela: são capazes de apoiar o fascismo, são capazes até de apoiar golpes de estado e são capazes de eleger um presidente como Jair Bolsonaro, mesmo que depois finjam que não tiveram participação naquilo.
Como demonstra Terry Eagleton, os apologistas de que o conceito de ideologia é obsoleto, são aqueles mesmos que fazem isso em um mundo marcado por conflitos ideológicos (2). As doutrinas do pensamento pós-moderno tentaram desacreditar o conceito de ideologia. Marx e Engels, em "A Ideologia Alemã" (3), apresentaram a questão de que, se um pensamento alcança a verdade objetiva ou não, trata-se de um problema prático, é uma questão política. Criticar as ideologias é normal, ter um conjunto de valores e práticas que constituem a ideologia, também é normal. A questão é: qual é a sua ideologia, quais são os seus valores? Eles são favoráveis à autonomia e emancipação da humanidade?
Referências:
(1) MÉSZÁROS, István. O poder da Ideologia. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004.
(2) EAGLETON, Terry. Ideologia - Uma introdução. São Paulo: UNESP/Boitempo, 1997.
(3) MARX, Karl. ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
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