Por Nicolau Neto, professor
O Ceará celebra neste sábado (25) os 139 anos da “abolição da escravidão”, pois, de acordo com a historiografia tradicional, a província cearense foi a primeira do Brasil a “acabar” com a prática em que negros e negras eram vistos como propriedade de um “senhor”, quatro anos da assinatura da Lei Áurea (1888). Mas, houve mesmo um lei que decretou liberdade aos negros e negras cearenses? Que lugar tem ocupado a negritude nesse processo? Quais as mudanças e as permanências para a população negra no “pós-abolição”?
Foi pensando nesses embates que tem orientado pesquisas de historiadores e historiadoras, que o Blog Negro Nicolau promoveu em 25 de março de 2021 uma roda de conversa via Google Meet com a temática “Abolição no Ceará e o Protagonismo da Negritude: Mudanças e Permanências” com professores e professoras da região do cariri.
Naquela oportunidade, contextualizei, destaquei e problematizei alguns fatores – a exemplos, como a historiografia tradicional tem tradado sobre a temáticas da Greve dos Jangadeiros (1881) e do 25 de março de 1884; o protagonismo negro na luta por liberdade; a (in)existência de uma lei que decretou o fim da escravidão no Ceará e o pós-abolição.
Mencionei também sobre temas que são caros à negritude, como por exemplo a narrativa que foi construída e ainda hoje alimentada de que no Ceará não tem negro, vindo a costurar sua fala destacando que essa é uma narrativa que não se sustenta e que ela é uma tentativa de apagar a presença desse conjunto de pessoas e sua história. Mas que esse papel que fora dado ao negro e a negra no Brasil e no Ceará através da historiografia tradicional, especificamente, sempre foi rejeitado por eles/as. Para exemplificar, falei sobre os recentes estudos de historiadores e historiadoras que trazem a história de resistência e de lutas de personagens negros para a libertação e de ter sua história e cultura visibilizadas e respeitadas.
Trouxe para discussão a Greve dos Jangadeiros que em agosto deste ano fará 142 anos, mas que só aparece a figura do pescador Francisco José do Nascimento, o Chico da Matilde. Este que tem uma narrativa construída como o herói da libertação e que foi alcunhado de “Dragão do Mar”. Sem desfazer da importância da história dele, Nicolau destacou que para além do Francisco, há o José e a Simoa, mas que não aparecem nos livros didáticos. Esse debate precisamos fazer.
Em que pese ao dia 25 de março, que no Ceará é feriado em face da “abolição da escravidão”, destaquei versões históricas que confrontam a história escrita e contada nas escolas, tratando-se da (in) existência de uma lei que decretou o fim da escravidão na província do cearense em 1884, aos moldes da Lei Área de 1888. Segundo o texto do professor do município de Brejo Santo, César Pereira, ao revisar um artigo do historiador norte-americano Billy Chandler intitulado “Os escravistas renitentes de Milagres – um pós-escrito à história da escravidão no Ceará” e republicado posteriormente na Revista do Instituto do Ceará, César vai destacar que o artigo causará um debate que coloca em xeque o título dado ao Ceará de “Terra da Luz”, uma vez que o Ceará continuou tendo pessoas escravizadas pós 25 de março de 1884, citando como exemplo Milagres onde permaneceu com escravizados diante da resistência desses senhores escravagistas.
Em postagem em suas redes sociais na manhã deste sábado (25), o professor da Universidade Regional do Cariri (URCA), o Dr. Darlan Reis Jr, escreveu:
Todo ano, por dever de ofício, devemos lembrar que: não, o Ceará não acabou com a escravidão em primeiro lugar. Não, não houve uma lei em 25 de março de 1884. Não, os senhores de escravos daqui não eram melhores. Sim, a escravidão no Ceará já definhava, mas não pela bondade senhorial. Sim, a escravidão continuou por mais um tempo ao sul da província.
Nesse sentido e já corroborando com a análise do professor Darlan, afirmo outrossim que é obrigação dos profissionais da ciência histórica recontar e ressignificar a prática pedagógica. E uma delas é refletir sobre os discursos que rementem ao fim da escravidão no Ceará em 1884. Não, não houve. Como não houve nenhuma lei nesse sentido. Algumas vilas cearenses continuaram com práticas escravistas pós 1884.
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