
Por Sued Carvalho, professora
Entre os nomes encontrados nos túmulos da necrópole da muralha do Kremlin há o de um estadunidense, John Silas Reed. É bastante simbólico que seu corpo repouse ao lado do de outros revolucionários no solo da outrora primeira experiência socialista da História, a União Soviética, pois, durante sua curta vida, todos os seus membros estiveram empenhados na causa dos trabalhadores do mundo.
John Reed, nascido em Oregon, nos EUA, no ano de 1887, foi um jornalista que acompanhou diversos movimentos populares, como a Revolução Mexicana de 1914, assim como foi um dos fundadores do Partido Comunista dos Trabalhadores nos EUA. Foi na revolução russa, contudo, que o autor escreveu aquela que muitos consideram sua obra-prima, Dez dias que abalaram o mundo.
Dez dias que abalaram o mundo é um notável relato jornalístico acerca da Revolução russa de 1917. O autor vivenciou os eventos e engajou-se neles, construindo um relato vívido e épico dos acontecimentos. O partidarismo do jornalista é bem conhecido e é perceptível na paixão que atravessa as folhas.
O partidarismo de John Reed, entretanto, invalidaria seu relato jornalístico? Tornando-o menos verdadeiro ou confiável? Segundo Gyorgy Lukács[1] (2018, p. 193) o partidarismo é “A tomada de posição em face do mundo representado”. O artista, o escritor e o jornalista imprimem, na folha, mais do que letras ordenadas que ganham sentido dentro de um léxico, projetam também visões de mundo, implícitas no subtexto, ou explícitas.
John Reed era um militante comunista, apoiador intransigente da luta dos trabalhadores, portanto simpático ao processo da Revolução russa, ganhando confiança do próprio Lenin, que escreveu um pequeno prefácio atestando a fidelidade da obra aos fatos ocorridos em 1917. Diante da conjuntura que hoje vivemos, onde um tecnicismo cínico procura enganar leitores com uma suposta “Neutralidade jornalística”, o leitor ou leitora pode pensar que Reed era enviesado demais para ser confiável, porém basta folhear o livro para perceber o equívoco desta impressão.
Logo nas primeiras páginas o autor procura discriminar, em uma detalhada lista, todos os grupos e vertentes políticas que se digladiaram na convulsão social que tomou a Rússia no início do Século XX, explicitando suas posições. Os diferentes grupos aparecerão, nos capítulos seguintes, como personagens desse relato. Todavia, longe de construir uma história grandiloquente, monumental, dos grandes homens e fatos, Reed embrenha-se nos subterrâneos da sociedade russa, procurando emoldurar em letras a reação dos diversos grupos da classe trabalhadora.
Nas páginas apresenta-se uma revolução russa viva, dinâmica, com suas contradições, Reed é, aqui, mais do que um comunista a analisar um processo revolucionário que, em sua visão, oferecia esperanças verdadeiras de transformação e emancipação, mas também um estadunidense a tentar entender aquela sociedade e suas características a partir desse processo.
O jornalismo de Reed é tocante, humano, marcado por um incontestável talento literário, não procura construir monumentos a heróis, em vez disso quer captar um movimento complexo, contraditório e diverso de agonia das velhas estruturas de uma sociedade diante do nascimento do novo e do inesperado. Evidentemente figuras como Lenin, Trotsky, Stalin tem certo espaço, não por serem entendidas como capitães do navio da História, mas por suas posições objetivas em organizações que disputam o movimento, que teria seu clímax em Outubro de 1917.
Em uma época de manifestos, como diria Hobsbawm[2], em que o jornalismo impresso exercia importante papel na defesa de posições políticas de grupos que estavam em aberta disputa e os jornais possuíam explícitas e transparentes posições políticas – Que passaram a esconder com o passar das décadas – 10 dias que abalaram o mundo destaca-se como uma pungente defesa do socialismo, mas, mais do que isso, uma dinâmica análise da sociedade russa em convulsão e disputada por diferentes grupos políticos.
Toda notícia jornalística carrega ideais partidários, a pergunta, portanto, não é se um jornalista defende ou não um modelo de sociedade, mas qual modelo de sociedade defende. Sobre John Reed temos uma fácil resposta: Defendeu uma sociedade socialista, solidária, em que os trabalhadores fossem donos de seus destinos.
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