Sued Carvalho, professora.
Em 1831, com a abdicação de D. Pedro I do trono do Império do Brasil, o país entrou em polvorosa. Diversos grupos, com ideais mais progressistas, viram ali a oportunidade de levar à frente suas pautas. A brecha para mudanças radicais na estrutura social havia sido aberta.
Se, para os mais progressistas, as mudanças apareciam no horizonte, os conservadores sentiam a necessidade de encastelar-se para manter seus privilégios e os das elites regionais. Surge o chamado Partido do regresso, que defendia abertamente a escravidão, o retorno de D. Pedro I com poderes absolutos e a centralização administrativa. Do outro lado, havia figuras abolicionistas, que advogavam reformas sociais, universalização do voto e, até mesmo, direitos iguais para as mulheres. Eram chamados de exaltados.
A alcunha de “Exaltados” funcionava, na retórica política da época, como uma forma de retratar os que defendiam o fim imediato do voto censitário, escravidão, entre outros como irracionais, movidos pela emoção. Chamados de moderados, isto é, racionais, reflexivos e ponderadores eram aqueles que defendiam tais pautas, mas que acreditavam que deveriam ser conquistadas sem rupturas e de forma gradual.
O fim da escravidão podia esperar, o importante, para os moderados, era a manutenção e a sobrevivência do Império e de seus próprios lugares de privilégio, para isso, aliavam-se aos conservadores e, até mesmo, aos regressistas, isolando os, assim chamados, exaltados. Não deu outra, no decorrer da década de 1830, cada vez mais isolados e tendo suas revoltas e protestos sufocados pela Guarda Nacional os exaltados foram diminuindo em atuação e importância, alguns viraram a casaca e se tornaram moderados ou, até mesmo, conservadores.
A escravidão só foi abolida décadas depois, em 1888, sem participação da população negra e sem qualquer tentativa de inserir esse grupo de forma plena, com garantia de emprego e segurança, na vida social ativa. As mulheres só ganharam direito a voto cem anos depois, em 1932 e apenas 30 anos depois, em 1962, deixaram de ser consideradas “incapazes civilmente”. Quantas vidas a moderação custou? Quantas mulheres não morreram agredidas pelos maridos, sem acesso pleno a educação e ao voto nessas décadas? Quantas pessoas negras escravizadas sofreram com chibatadas, agressão psicológica e sexual nesse meio tempo?
A quem serviu a moderação? A quem serviu tachar de exaltados àqueles que entendiam a urgência de mudanças profundas na desigual sociedade brasileira? Quem ganhou com essa visão paternal da política, em que os deputados e senadores “sábios” nos dão a liberdade e os direitos à conta gotas?
Em um país como o Brasil, marcado pela extrema desigualdade racial, econômica, de gênero, onde feridas da escravidão ainda estão abertas, a moderação é aviltante.
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