Por Darlan Reis Jr (historiador)
As chamadas calamidades naturais – secas, epidemias, terremotos, tsunamis - tem sempre o componente social como característica central de seus efeitos. Os seres humanos são parte da natureza, porém, as relações sociais são marcadas por disparidades de recursos, poder, assimetrias entre países, e nas desigualdades que condicionam a vida das pessoas. Assim, as situações de fome e miséria, têm um componente histórico primordial e decisivo no quadro de crise social causado, por exemplo, por epidemias. A desigualdade vivenciada nas épocas de “normalidade”, aquela do dia a dia, muitas vezes esquecida pelas classes que detém o poder econômico e político, fica exposta em períodos de pandemia, de forma que faz a sociedade ter que, pelo menos, discutir o problema, mesmo que alguns não queiram. A História nos dá muitos exemplos.
Imagem: Relatório do médico Antonio Manoel de Medeiros enviado ao Presidente da Província do Ceará, José Bento da Cunha Figueiredo Junior, em 13 de Dezembro de 1862. Livro *IJJ9 182, Arquivo Nacional, foto tirada por Darlan Reis.
Algumas vertentes explicativas discutem os fenômenos aludidos como sendo “calamidades naturais”, ou “desastres ambientais”, conforme o contexto e a percepção teórica. Segundo essas abordagens, as chamadas “forças da natureza” operariam indistintamente sobre a humanidade, de tal maneira que, os desajustes, revoltas, movimentações políticas dos trabalhadores seriam causados, ou motivados, por questões de ordem biológica, como no caso das epidemias de fome e nas ocorrências da seca. Ocorre que a forma de avanço de uma epidemia atinge a todos, porém de forma diferenciada. Quantos brasileiros tem acesso a condições mínimas de saneamento básico e de moradia? O que alguns setores apregoavam há pouco tempo atrás como virtude, o chamado “empreendedorismo”, na verdade com a pandemia do COVID-19, se revelou como alto grau de informalidade de quase metade da população economicamente ativa no Brasil. Milhões de trabalhadores e trabalhadoras lutam diariamente para sobreviver de forma árdua. E na ocorrência da pandemia, o que sugerem alguns setores dominantes? Sugerem a desproteção desses trabalhadores e o “cada um por si” para que não haja fome.
Sou historiador e nessa condição, preciso dizer que a fome não é necessariamente a falta de alimentos na sociedade, mas a impossibilidade de certas classes conseguirem acesso permanente à comida. Não é o isolamento social durante uma pandemia que causa a fome, mas sim o fato de que os possuidores das mercadorias, alguns governos e os mais ricos não quererem a distribuição, preferindo manter as relações de mercado intactas. Isso já ocorreu em outras épocas e lugares, de modo que não se trata apenas de uma questão individual, de falta de mérito ou de oportunidade. É uma questão social, política e econômica que fica muito mais evidente nas épocas de catástrofes.
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